Os dados de mobilidade de celulares no Brasil indicam que o aumento explosivo nas mortes por Covid-19 registrada nos últimos meses é, em boa medida, resultado da exposição a que brasileiros se submeteram em feriados de dezembro a janeiro, sobretudo durante as compras de Natal e o ano novo. O que era receio de alguns especialistas se confirmou nos dados anônimos de rastreamento de aparelhos feitos pelo Google e colhidos pela reportagem, que mostram como a alta movimentação de pessoas em áreas públicas simultaneamente em períodos específicos pode ser facilmente atrelada ao crescimento subsequente do número de casos da doença nas regiões avaliadas. Em alguns estados, a movimentação vista no carnaval pode agravar a situação.
O Réveillon foi a data com maior concentração de pessoas em áreas classificadas como “parques” (que incluem praias e espaços públicos de recreação). No início de janeiro, a circulação de brasileiros nesses locais foi equivalente à de níveis anteriores da epidemia.
Após a virada do ano, esse tipo de concentração caiu, mas aumentou no feriado prolongado seguinte. Nas praias e áreas recreativas do Rio de Janeiro, a terça-feira de carnaval foi o dia mais movimentado desde a chegada da Covid-19 no Brasil, 26% acima da linha de base estabelecida pelo Google (média de presença de celulares medida nas locações em janeiro de 2020, para “calibrar” o que seria o nível normal de presença de pessoas em cada lugar antes da pandemia). O Rio teve movimentação intensa no feriado local de 20 de janeiro, também. E, mesmo com a pandemia avançando, a população não parece muito preocupada em seguir os protocolos básicos de distanciamento: o Rio registrou na última semana a menor taxa de isolamento social desde o início da pandemia: de 30%, entre 21 e 28 de fevereiro.
O cenário atual da epidemia, com o recorde de 1.910 mortes registradas no Brasil em um único dia, ontem, já é assustador, e o impacto do carnaval ainda está por ser medido. Para que se reflita nas estatísticas de óbitos, é preciso aguardar.
O infectologista Júlio Croda, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, relata preocupação:
— O impacto pode ser muito maior do que as aglomerações que vimos no passado porque temos variante mais transmissível e carga viral maior. É preciso aumentar a adesão a medidas individuais de proteção e a velocidade de vacinação. Se não tem nenhum dos dois, há aumento da taxa de transmissibilidade.
Croda, que planejou a reposta ao coronavírus na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, destacou que Manaus, após taxa de óbitos brutal em janeiro, agora registra queda devido a ações implementadas.
— O que ocorre lá é o impacto de medidas restritivas severas e aumento da cobertura vacinal. Vacinação com medida restritiva é o que dá certo — afirma.
Amazonas é hoje o único estado que voltou ao nível de distanciamento social comparável ao das primeiras semanas de pandemia. Em janeiro de 2021, auge da segunda onda, a frequência a parques desceu 53% abaixo da linha de base, mas o estado já retoma a movimentação.
Carnaval do vírus
Não foi só no Rio que o Google registrou mobilidade preocupante no carnaval. Elas ocorreu em pelo menos mais quatro estados: Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e, com menos intensidade, na Bahia. Pernambuco, de tradição carnavalesca forte, não pareceu ter grande aumento.
— Os sistemas de saúde do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina já colapsaram, e eles estão adotando medidas restritivas tardiamente. A capacidade do estado de resposta é muito maior que a de Manaus. Não vai ter falta de oxigênio, mas vai ter falta de leitos de terapia intensiva — diz Croda.
Alberto Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, diz que a aglomeração no carnaval carioca ocorreu num momento de redução de transmissão do vírus, e seu efeito ainda não está claro.
— Em outras regiões do país, que estavam iniciando movimento de segunda onda, haverá uma aceleração. No Rio, a gente recomenda não fechar leitos e não reduzir equipes de saúde, porque a gente não sabe o que vai acontecer daqui a dois ou três meses — diz o médico.
Além da conversão de leitos hospitalares comuns para leitos de Covid-19, Chebabo defende medidas de restrição de circulação:
— O toque de recolher é para diminuir aglomerações que não trazem nenhum benefício e aumentam muito o risco de transmissão, sobretudo bares.
Vida noturna
A movimentação de pessoas no país em locais da categoria “varejo e lazer”, que inclui os bares, caiu depois do ano novo, mas continua alta, em média, no país. Segundo dados do Google, está apenas 26% abaixo da linha de base, enquanto que no auge da quarentena nacional, a taxa caiu a menos 68%. O nível atual de frequência a esses locais é similar ao de setembro último, quando a pandemia parecia ceder e inspirava otimismo na população.
Alguns estados não viram um pico de exposição em parques públicos no carnaval mas tiveram aumento na categoria de bares e restaurantes. É o caso de São Paulo, que, na semana passada, já quase voltava ao nível pré-pandemia nesses estabelecimentos. Paulistas também evitam pouco os “locais de trabalho”, onde a frequência está só 4% abaixo da linha de base.
Para Chebabo, essa exposição é perigosa em cidades onde hospitais estão acima de 80% da capacidade.
— A partir do momento que ultrapassa 85% de ocupação, não tem outra medida a não ser o lockdown, que começa a ter reflexo 10 a 14 dias após decretação — ressalta. — Mas não pode ser lockdown ‘à brasileira’. Tem que fechar tudo.
A sanitarista Lígia Bahia, professora da UFRJ, diz que a resposta ao avanço da epidemia requer coordenação de escala nacional, o que não tem ocorrido por iniciativa do Planalto:
— Que os governadores e prefeitos se reúnam e a gente consiga se organizar com as instituições que temos, inclusive com Congresso Nacional e STF. Precisamos que as instituições democráticas funcionem melhor do que nunca, ter um pacto institucional — defende.
Fonte: Extra
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