O debate sobre a integração das horas in itinere ao trabalho rural parece não acabar. Nele se misturam correntes interpretativas, inovações legislativas, avanços (para alguns) e retrocessos (para outros).
A definição do tempo à disposição do empregador tem nuances, sendo constante fonte de conflitos. Bastam alguns exemplos:
a) em regra, a remuneração é paga como contrapartida ao tempo, ressalvadas as hipóteses de remuneração por empreitada, tarefa ou produção;
b) o salário mínimo é proporcional ao tempo;
c) as horas extras são pagas quando excedida a jornada de trabalho contratual ou legal;
d) a lei prevê intervalos intrajornadas e intervalos interjornadas.
Portanto, identificar com precisão o tempo integrante da jornada de trabalho tem grandes repercussões econômicas e sociais.
O campo semântico é realmente aberto, admitindo muitas interpretações.
A própria OIT, em relatório do Comitê de Especialistas na Aplicação de Convenções e Recomendações1, diz que suas convenções não definem hora de trabalho e nem tempo à disposição para cômputo na jornada, e, embora com variedade de critérios, prevalece na “maioria dos países” a ideia de que a “exigência de estar à disposição do empregador é complementada ou substituída pela necessidade de desempenhar efetivo trabalho”.
Por isto, o intervalo para refeição e descanso não é computado, sendo irrelevante a permanência no estabelecimento (vg. no refeitório da empresa). Sua escolha é livre.
São comuns ações postulando a inclusão do intervalo na jornada quando se exige permanência em local específico (vg. atividades de segurança).
Mas o artigo 4º da CLT considera “serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”. Para reduzir o campo de interpretação, a lei 13.467/17 acrescentou que a permanência na empresa, “por escolha própria”, para “buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas”, bem como “para exercer atividades particulares”, não configura tempo à disposição.
O acidente de trajeto é equiparado ao do trabalho, nos termos da lei previdenciária (artigo 21, IV, “d”, da lei 8213/91), ainda que em veículo próprio do empregado ou transporte público, trazendo repercussões trabalhistas como a garantia de emprego do artigo 118 da mesma lei.
O Estatuto do Trabalhador Rural prevê a aplicação subsidiária da CLT. Seu artigo 1º dispõe sobre os intervalos inter e intrajornada, prestigiando os “usos e costumes da região” (artigo 5º), e disciplina o tempo de trabalho nos serviços “caracteristicamente intermitentes” (artigo 6º).
Nesse contexto é que surge o debate sobre o cômputo das horas in itinere na jornada, especialmente relevante no trabalho rural.
Por Antonio Galvão Peres e Luiz Carlos Amorim Robortella
Fonte: Migalhas