Em duas decisões recentes, a Segunda e a Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho garantiram a redução de jornada de trabalho a responsáveis por crianças autistas. Os dois casos se referem à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) e se fundamentaram na interpretação sistemática da Constituição e das leis brasileiras e das convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.
Assistente administrativa
O processo julgado pela Segunda Turma foi ajuizado por uma assistente administrativa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí, com jornada de trabalho de oito horas diárias. Sua filha, atualmente com dez anos, foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Após ter o pedido de redução de jornada pela metade recusado administrativamente, ela recorreu à Justiça, alegando a necessidade de acompanhar a rotina de atendimento da menina, que envolve psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogo e terapeuta ocupacional, além da obrigatoriedade de fazer atividade física. “Não há como dar conta de tudo”, sustentou.
Prova
O pedido foi rejeitado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (PI), que entendeu que, embora o estado de saúde da filha exija atenção especial, não havia prova da necessidade de acompanhamento contínuo que justificasse a redução da jornada. Segundo o TRT, o laudo médico registrou que o TEA foi classificado como de nível I, “leve”, em que a criança, ainda que não tenha um comportamento totalmente adequado para a idade, se comunica fluentemente e interage bem com as pessoas. Com isso, concluiu que o caso não tinha gravidade.
Analogia
A relatora do recurso de revista da assistente, desembargadora Margareth Rodrigues da Costa, fundamentou seu voto na Constituição da República, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que tem força normativa de emenda constitucional.
A relatora observou ainda que o Regime Jurídico Único (RJU) dos servidores públicos federais (Lei 8.112/1990) prevê horário especial a pessoas com cônjuge, filho ou dependente com deficiência, e a Lei Berenice Piana (Lei 12.764/2012) equiparou a pessoa com transtorno do espectro autista com pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.
Embora a auxiliar seja celetista, a desembargadora aplicou a disposição do RJU por analogia, e lembrou que, em dezembro de 2022, o Supremo Tribunal Federal fixou tese sobre a ampliação dos efeitos dessa norma aos servidores estaduais e municipais, reconhecendo a eles o direito à redução de jornada de trabalho sem redução de remuneração, caso tenham filho ou dependente com deficiência.
A decisão foi unânime.
Enfermeiro
O segundo processo também envolve a Ebserh. Nele, a Primeira Turma determinou que a empresa reduza um plantão por mês das escalas em jornada (12×36), sem prejuízo da remuneração, de um enfermeiro de Recife (PE). Ele tem um filho de sete anos diagnosticado com TEA que necessita ser acompanhado pelo pai em visitas a diversos profissionais de saúde e atividades terapêuticas realizadas em casa. Também nesse caso, a decisão decorre da interpretação sistemática da legislação constitucional e infraconstitucional e das convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.
O enfermeiro havia obtido a redução do plantão no juízo de primeiro grau, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE) reformou a decisão, por entender que a falta de uma norma celetista sobre a matéria era um obstáculo à reivindicação.
Mas, para o relator do recurso de revista, ministro Hugo Carlos Scheuermann, essa circunstância não impede a concessão do pedido, já que o Brasil se comprometeu a adotar todas as medidas necessárias para garantir o acesso das pessoas com deficiência aos serviços de saúde e educação. A decisão foi unânime.
Carmem Feijó e Bruno Vilar/CF
Fonte: TST
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