Leilão do 5G: Especialistas cobram políticas públicas para regiões remotas e cidadãos vulneráveis

O fosso digital existente no País norteou a discussão da audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) do Senado, realizada ontem. Calcula-se que ainda haja mais de 3 milhões de brasileiros sem sinal de internet móvel. As tecnologias dominantes atualmente no país são o 3G (que alcança 99,9% da população) e o 4G (disponível em municípios que representam 97% da população).

A audiência contou com a participação de entidades críticas ao edital da Anatel. Uma delas é a Coalizão Direitos na Rede, que reúne 48 associações pelo direito à comunicação e à inclusão digital.

Flávia Lefevre, representante da Coalizão, lembrou que relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta uma série de falhas na elaboração do documento. Dentre elas: 5G para quem? “As entidades reconhecem nessa tecnologia grandes oportunidades de alavancar diversos setores da economia e estimular o desenvolvimento social. Mas o Brasil se encontra hoje num fosso digital profundo e injustificável”, reiterou.

Segundo ela, o edital traz “erros grosseiros”. Um deles seria que as obrigações das escolas não constam no edital. Além da falta de política pública para a áreas remotas e para a periferia. “O certame deveria ter exigido contrapartidas audaciosas para atender a população vulnerável. O consumidor, especialmente aquele mais vulnerável e que mais precisa de políticas públicas, está sendo desconsiderado nesse processo. Evidente que o 5G traz uma série de inovações. Mas a situação em relação à universalização do acesso à internet ainda é dramática. Aproximadamente 40% da população tem como acesso exclusivo a telefonia móvel. É um modelo comercial baseado em franquias, no qual boa parte dos usuários passa maior parte do mês sem qualquer acesso à internet. O foco deve ser uma melhoria radical da infraestrutura do 4G”, observou.

Para Francisco Soares, vice-diretor do Grupo Setorial de Telecomunicações da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), o leilão tratou apenas de conectividade, desconsiderando a aquisição de equipamentos. “Sem equipamentos, não adianta a conexão. Nessa licitação, isso não foi abordado”.

Apenas nos centros urbanos

Para Alex Jucius, diretor da Associação NEO, o leilão de radiofrequências “será o maior do mundo, mas a preocupação é que a conectividade chegue para todos e não fique apenas nos grandes centros. É uma revolução em relação aos outros editais. Ontem, tivemos a grata surpresa de 15 empresas participarem o leilão”. A entidade reúne 180 prestadoras independentes de banda larga, TV por assinatura e telefonia fixa e móvel.

O edital prevê o cumprimento de algumas exigências para as empresas vencedoras do leilão. Os investimentos devem ser de pelo menos R$ 47 bilhões. Mais de 500 municípios com até 600 habitantes e cerca de 2 mil municípios sem cobertura plena serão atendidos pelo menos com redes 4G. Além disso, a internet chegará a 48 mil quilômetros de rodovias federais, caso as obrigações sejam completamente atendidas dentro dos cronogramas definidos.

Sobre a universalização, o diretor da Associação NEO afirma que a inclusão digital não necessariamente vai ser feita com o 5G. “Mas pode ser feita através do 5G, com os investimentos decorrentes e os compromissos que estão sendo colocados. A implantação da tecnologia 4G e LTE vai ser levada para lugares que hoje não estão cobertos. O 5G vai talvez promover a maior inclusão digital que já houve neste país com relação à mobilidade”, avalia.

Em contrapartida, Jucius alerta que a fusão da Oi Móvel com as operadoras fecha o mercado e que seria importante o Senado entrar no debate.

A conselheira Cristiane Sanches, da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), reconhece a existência de gaps ou lacunas na prestação do serviço de internet em áreas remotas. “Isso continua sendo um desafio em qualquer lugar do mundo. Se não tivermos um regulador firme, nós vamos pedalar”.

“O certame permite que a gente tenha acesso a redes neutras. O futuro do espectro é o compartilhamento. Se não tivermos esse compartilhamento e um acesso diferenciado à rede móvel, nada vai funcionar e o interior vai ficar prejudicado”, disse Sanches, reiterando as palavras proferidas no Inovatic 2021.

O diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), Gustavo Correa, tem o mesmo entendimento. Segundo ele, em um primeiro momento, a rede 5G deve se concentrar em grandes centros urbanos.

Para Diogo Moyses, coordenador do Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), nesse processo do leilão do 5G, o silêncio dos reguladores chama atenção em relação aos consumidores vulneráveis. “Aqui, a universalização da internet é ainda dramática. É dever do Estado universalizar o acesso à internet”, falou.

Críticas ao 5G

O senador Jean Paul Prates (PT-RN) deve apresentar até o final do ano um relatório sobre a implantação das redes 5G no Brasil. O tema foi definido pela CCT como a política pública do Poder Executivo fiscalizada neste ano pela comissão. O parlamentar reconhece a importância da nova tecnologia, mas destaca que o assunto ainda desperta críticas e requer uma série perguntas ainda sem respostas.

“Uma das grandes preocupações da comissão é o fosso digital, porque aumenta o fosso social e de direitos. — Vai ser importante saber como ficará o cidadão comum lá do interior. Quando ele terá acesso a essa tecnologia? Como ele ficará servido das tecnologias que já estão ofertadas, mas com baixa qualidade? Quando e como essas tecnologias vão proporcionar maior bem-estar social e melhor qualidade de vida a esses cidadãos?”, questionou.

Fonte: TeleSíntese

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