Os apps contra blitz, a ética dos motoristas e os efeitos colaterais de uma proibição

Projeto de lei quer vetar recurso que avisa sobre bloqueios policiais  e levanta debate sobre o uso da tecnologia

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  • Beatriz Montesanti

Está em tramitação na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei que pretende proibir o uso de aplicativos e redes sociais que alertam motoristas sobre blitz de trânsito nas cidades.

De autoria do deputado Major Fábio (DEM-PB), o PL 5596/13 prevê uma aplicação de multa de até R$ 50 mil para o provedor da internet que permitir o fornecimento de informações sobre blitze e pontos de fiscalização.

O objetivo é reduzir o número de acidentes de trânsito no país, que poderiam ser evitados caso motoristas embriagados fossem pegos em flagrante – e que em muitos casos deixam de ser justamente em razão da existência desses aplicativos.

O projeto levanta vários debates, que envolvem a eficácia da blitz, a ética dos motoristas que recorrem a esses aplicativos e o controle sobre o uso da internet.

Pontos levantados numa audiência pública realizada recentemente na Câmara, que contou com a participação de representantes do centro de pesquisa de direito e tecnologia InternetLab, do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas e de Marcel Leonardi, diretor de Políticas Públicas do Google Brasil.

“Essa conduta – além de representar um desserviço à coletividade, ao limitar a efetividade das ações de combate à violência nas estradas – beneficia criminosos de todo gênero, que se valem dessas ferramentas para escapar da fiscalização do Estado” — Major Fabio, Deputado Federal (DEM-PB)

Na audiência pública, especialistas reforçaram o ponto de que o debate deve ser ampliado, pois não há provas de que tais aplicativos de fato tenham um impacto direto no aumento de acidentes de trânsito, ou sequer no número de apreensões feitas pela Lei Seca.

Dados de São Paulo, por exemplo, indicam o contrário: o número de apreensões de carros e detenções de motoristas bêbados aumentou no último ano. Também não está claro como a lei seria implementada, sem prejudicar a privacidade dos usuários da rede.

“A lei carece de muitos dados que indicam que isso de fato é um problema. É necessário estudar mais para saber se há um problema de fato. É um projeto que pode ter muitas consequências, não pode ser aprovado com base no achismo.” Francisco Brito Cruz, Diretor do InternetLab

Especialistas também chamam atenção para o fato de que a medida pode ter consequências desfavoráveis, como evitar que informações sobre acidentes sejam divulgadas. São esses os chamados “efeitos inibidores”, bastante comuns no debate sobre o uso da internet.

Cruz cita como exemplo a diminuição no número de acessos a artigos sobre terrorismo na Wikipedia desde que as revelações de Edward Snowden sobre a vigilância americana foram feitas. As informações divulgadas pelo ex-analista da Agência de Segurança Nacional americana (NSA) foram cruciais nas relações internacionais, porém, como consequência não esperada, podem ter diminuído o conhecimento sobre assuntos prementes da atualidade. “Pessoas tinham medo de pesquisar.”

O debate ético

Posto em xeque o argumento de que tais aplicativos têm ligação direta com o número de acidentes e de apreensões, o debate sobre se é certo ou não empresas fornecerem esse tipo de serviço aparece apenas sutilmente nessa discussão.

Um dos pontos levantados, por exemplo, é que alertar motoristas sobre a ocorrência de uma blitz é um comportamento antigo, que lançou mão de outros sinais muito antes do Waze se consolidar como veículo de informação. Nas estradas, caminhoneiros acenavam com os faróis. Posteriormente, motoristas recorreram ao Twitter e Whatsapp para espalhar esse tipo de informação. Como manter o controle sobre isso?

O PL de Major Fábio deve passar por debate em mais algumas comissões da Câmara e, se aprovado em plenário, seguirá para o Senado.

Entenda melhor cada ponto:

O que diz o PL5596/13

  • O consumo de álcool representa hoje uma das principais causas da violência no trânsito no Brasil.
  • Concorre para a exacerbação desse cenário de violência a prática corrente de alguns cidadãos de utilizar aplicativos e redes sociais de grande popularidade na internet para alertar os motoristas sobre a ocorrência e a localização exata das blitzes realizadas pelas autoridades de trânsito.
  • É necessário prover uma norma que estabeleça, de forma definitiva, a ilegalidade dessa conduta.

Quais são os contrapontos levantados

DADOS NÃO APONTAM INEFICÁCIA DE BLITZ

Dados de São Paulo indicam um aumento tanto do número de prisões por embriaguez ao volante quanto do número de multas por dirigir após ingestão de bebida alcoólica, na comparação entre 2014 e 2015. As prisões foram de 55 para 243, um aumento de 342%. Isso relativiza o argumento de que os aplicativos atrapalham a ação da blitz.

EFICÁCIA DEPENDERIA DE OUTROS FATORES

Aumento no número de flagrantes por embriaguez em São Paulo está relacionado ao planejamento das Operações Direção Segura, realizadas pela CPTran (Comando de Policiamento de Trânsito). Ou seja, órgãos de fiscalização podem encontrar maneiras efetivas de lidar com o problema, independente da existência de aplicativos ou não.

EFEITOS INIBIDORES E COLATERAIS

A retirada de um conteúdo na Internet sem que haja ordem judicial, que pode ter efeito inibidor em relação a postagem conteúdos legítimos. “Inibiria o uso desse tipo de aplicativo para procurar a presença de agentes de segurança pública? Inibiria alertas de acidentes ou demais fatores de risco? Inibiria o uso desse tipo de aplicativo em geral?”, questiona o InternetLab.

Para pesquisadores do centro, como consequência não desejável, a inibição do uso desses aplicativos poderia também punir usuários de outras ferramentas (como redes sociais) por condutas semelhantes, levar ao desenvolvimento de outros tipos de notificação sobre blitz e até o aumento da dificuldade de localização de auxílio por pessoas em situações de risco.

“Por mais bem intencionado que seja, a medida acaba sendo desproporcional, como o bloqueio do Whatssapp.” — Francisco Brito Cruz, Diretor do InternetLab

Fonte: Nexo

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