Em plena hora do rush, um homem chama a atenção na multidão que se desloca pelo metrô de Nova York. Danny Groner é o único no vagão que não está encarando uma tela de celular.
Aos 32 anos, ele é o típico público-alvo do mercado de smartphones: é jovem e gerencia o banco de imagens Shutterstock, uma das empresas mais bem-sucedidas da chamada Silicon Alley. O escritório da empresa ocupa dois andares do lendário edifício Empire State e tem a cara de qualquer boa startup, com um estúdio de ioga, salas de jogos e balanços.
Mas ele se orgulha de não ser mais um dos mais de 60% dos americanos que possuem um aparelho desse tipo: assim como os executivos bilionários Warren Buffett e Stephen Schwartzman, a única conexão móvel de Groner com o mundo é um velho e bom celular com flip (aqueles que abrem e fecham), objeto do desejo no começo dos anos 2000, que ele usa apenas para fazer chamadas ou mandar torpedos.
Cercado de tecnologia, Groner explica por que preferiu dizer “não” aos smartphones: “Não quero virar escravo. Já passo 13 ou 14 horas por dia na frente de uma tela. É o suficiente”, diz.
Apesar de seu entusiasmo por aparelhos mais “retrô”, ele admite que nem todos nós podemos nos dar ao luxo de dispensar o smartphone. “Se todos fossem como eu, o trabalho não avançaria”, reflete.
‘Você no comando’
Para a professora de psicologia Holly Parker, da Universidade Harvard, o uso de celulares comuns pode ajudar muitas pessoas a colocar um limite entre o trabalho e o lazer.
“As empresas podem se beneficiar do aumento de produtividade se permitirem que seus funcionários mantenham um espaço para se recuperarem do trabalho”, afirma.
Estudos científicos que analisam os efeitos do uso de aparelhos eletrônicos em profissionais de várias áreas coincidem ao concluir que os smartphones são os mais prejudiciais.
“A popularidade dos celulares com flip é uma reação à sensação de que nos tornamos escravos do smartphone”, diz o advogado David Ryan Polgar, especialista em “ética da tecnologia”. “Adotar um modelo simples é uma maneira luxuosa e enfática de proclamar que é você quem está no comando.”
Polgar, no entanto, diz acreditar que o mero ato de não levar o smartphone para todo lado também é uma solução para quem quer se desconectar. “É mais uma maneira de projetar uma imagem de poder e liberdade.”
Franceses à frente
O problema é que esse tipo de disciplina é muito difícil de conquistar. Por isso, a França se tornou o primeiro país que deve analisar o “direito a se desconectar”, ou seja, a garantir que alguém possa desligar o smartphone sem sentir remorso por isso.
A iniciativa, por incrível que pareça, nem veio dos poderosos sindicatos franceses, mas sim de Bruno Mettling, vice-diretor da Orange, empresa francesa de telecomunicações.
Em setembro passado, ele submeteu ao Ministério do Trabalho de seu país um relatório sobre o trabalho na era digital e defendeu que a realidade do relacionamento entre gerentes e subalternos não reflete a atual legislação.
Mas, mesmo com a proteção da lei, muitos de nós achamos impossível resistir ao apelo da telinha para checar a caixa de entrada ou mandar uma última mensagem antes de dormir, por exemplo.
Foi isso que levou Ellyn Shook, diretora de recursos humanos da consultoria internacional Accenture, a fazer um “downgrade” de seu telefone. No ano passado, ela comprou um celular com flip para tentar substituir seu iPhone, que vivia em sua mesa de cabeceira.
A tática funcionou. “Voltar no tempo me permitiu passar fins de semana inteiros sem olhar para o telefone”, comemora.