O mapa de gênero do mercado de trabalho brasileiro é arcaico e injusto. Arcaico porque sua configuração reproduz uma estrutura que desvaloriza o lugar e o papel da mulher no campo profissional. Injusto, a começar por esta razão, enfileirada por muitas outras, incluindo motivos na seara do imoral. Isso porque não é possível falar sobre a mulher no mundo do trabalho, sem considerar antes, o seu lugar no próprio mundo, frequentemente alvo de ideias e práticas machistas explícitas, que a vê como um objeto, e não como uma protagonista da vida em sociedade. Esta é, certamente, uma das principais reflexões a serem feitas na semana em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, 8 de março.
Mais de três décadas depois, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando se estabeleceu o princípio da isonomia e as mulheres tiveram os seus direitos trabalhistas positivados, o que já foi muito tarde, com a instituição da igualdade de gênero e da não-discriminação em função do sexo, o que experienciamos ainda hoje viola totalmente tais direitos. A proibição da diferença salarial vai de encontro com o dado matemático do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE (2019) de que, nesse ano, as mulheres receberam, em média, 77,7% do que foi pago aos homens. Nas funções e cargos que representam maiores ganhos, como diretores e gerentes, elas foram remuneradas com 61,9%. Ou seja, quase 40% do valor do seu trabalho foi usurpado. Não há outra palavra.
Já a não-discriminação convive com a arbitrariedade de mulheres sendo preteridas na hora da admissão para um emprego porque, segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego do Dieese, alguns empregadores preferem os homens na hora de contratar, em razão da mulher ter jornada dupla. E todos nós já estamos escolados de saber qual é essa outra jornada: o trabalho com as atividades domésticas e os cuidados com os filhos. Ou seja, ela é penalizada duas vezes. É eleita naturalmente como responsável pelas tarefas do lar, e depois, deixa de ser contratada exatamente por esse motivo.
E o pior é ainda nos darmos conta de que isso não tem nada a ver com grau de escolaridade. De acordo com a pesquisa Estatísticas de Gênero do IBGE, publicada em março de 2021, no Brasil, o nível de escolaridade das mulheres é mais elevado do que o dos homens. Enquanto 21,5% deles frequentaram o ensino superior; entre elas, esse percentual é de 29,75%. Toda essa desigualdade, visível do ponto de vista cultural, social e matemático, faz com que o país figure na 130a posição, em um ranking com 153 países, em relação à igualdade salarial entre homens e mulheres que desempenham funções semelhantes, de acordo com o Relatório Global sobre a Lacuna de Gênero (2020), do Fórum Econômico Mundial.
Se aprofundarmos todas essas análises e fizermos recortes, vamos observar abismos ainda maiores. Como estão as mulheres negras, indígenas, ribeirinhas, idosas, das cidades periféricas nesse mapa? Ainda mais subjugadas, alvo de desigualdades e de discriminação acentuadamente maiores do que já são, de um modo geral. E até agora, ainda nem falamos dos abusos e assédios morais e sexuais sofridos pelas mulheres no local de trabalho. Conforme a Agência Patrícia Galvão (2020), cerca de 40% delas já foram xingadas ou ouviram gritos em ambiente de trabalho, contra apenas 13% dos homens.
Infelizmente, interessa a uma parcela da população, incluindo pessoas físicas, corporações, instituições civis e governamentais, que se beneficia de toda essa desigualdade brutal de gênero, mantê-la na invisibilidade, para continuar tirando proveito do que ele gera de privilégios para tal quinhão. E uma forma de combater a invisibilidade de um fenômeno tão crucial na vida em sociedade é, exatamente, dar visibilidade a todas as suas faces, incluindo suas mazelas e os seus pontos positivos, ainda que fora da curva.
A luta para transformar o mapa de gênero do mercado de trabalho brasileiro não é tarefa a ser deixada só para as mulheres, mas para os homens também. Se formos honestos, é uma tarefa, principalmente, para nós, que promovemos a retroalimentação de uma estrutura social que nos privilegia. Seja na rotina da vida profissional ou pessoal. E essa rotina não pode continuar arcaica e injusta. A mulher precisa ser reconhecida como protagonista da sociedade, em todas as suas frentes.
Por: Wellington Matos – Secretário de Estado de Desenvolvimento Social do Estado (Seds) – Governo de Goiás
Fonte: SEDS-GO